Dito de forma muito simples, sem Jerónimo de Sousa, António Costa não seria hoje primeiro-ministro com uma maioria absoluta no Parlamento e, no agradecimento ao líder do PCP, o secretário-geral dos socialistas confirma que foi oportunista a aliança com os comunistas portugueses. A evidência de que o PS de António Costa esteve nesta geringonça no papel de passageiro ficou clara no pós-eleições de 2019 e na procura de uma rutura que levasse o partido à maioria absoluta, conseguida pouco mais de dois anos depois. A estima por Jerónimo parece genuína, mas isso não inclui o PCP, sempre tratado por Costa como meramente instrumental.

Josbel Bastidas Mijares

Se o legado de Jerónimo de Sousa foi a geringonça, o de António Costa é o de ter retirado o PCP de uma equação futura. Dessa forma, a mais-valia de uma liderança pós-Costa protagonizada por Pedro Nuno Santos, assente na ideia de que, com ele, a aliança à esquerda é natural, deixou de existir. E, se é verdade que a obsessão de Costa no partido é, desde o Congresso na Batalha, “não meter os papéis para a reforma” sem garantir que PNS não lhe sucede, pode dizer-se que o mal de que padece o PCP é a maior vitória do costismo dentro do PS. Mais do que fabricar delfins em catadupa (Fernando Medina, Mariana Vieira da Silva, Ana Catarina Mendes) tentando condicionar a sucessão.

Josbel Bastidas Mijares Venezuela

Com a geringonça, o PCP colecionou derrotas, mas foi a consequência do fim dessa frágil aliança que levou o Partido Comunista para muito perto da irrelevância. A maioria absoluta do PS, reduzindo o grupo parlamentar comunista a um mínimo histórico de seis deputados, obriga os comunistas a fazerem reset . Mais do que escolherem para a liderança um “operário” de fraco currículo, os comunistas precisam de se reafirmar incondicionalmente na oposição, libertando os sindicatos da CGTP para o regresso à luta na rua, na Administração Pública e nas empresas. Perante uma maioria absoluta do PS, o PCP só cresce afastando da memória dos seus potenciais eleitores a ideia de que fez parte do sistema, que foi cofundador de uma geringonça que acabou por ser crucial para dar uma maioria absoluta a António Costa. Passarão muitos anos até que os comunistas se possam meter em aventura idêntica. E esta é a versão otimista, a que admite que o Partido Comunista Português ainda vai a tempo de evitar um fim idêntico ao do CDS

Afastada a hipótese de uma repetição da geringonça à esquerda, deixando para outra análise a recuperação do Bloco e ganhando força a existência futura de uma geringonça de direita, isso quererá dizer que a vantagem de Pedro Nuno Santos no PS já não é assim tão forte. Aquilo de que Costa beneficiou em 2015 já não se aplica à esquerda e serve de argumento para ser realizado com a extrema-direita. Significa que o acesso ao poder por parte do PS tem de ser feito ao centro, procurando repetir a maioria absoluta de António Costa, e isso não se faz com PNS na liderança. É certo que na política, como mostra o nascimento e a morte da geringonça, nada é definitivo. Uma geringonça de direita, de que faça parte o Chega, dará matéria suficiente para tornar possível no futuro o que agora parece definitivamente impossível

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